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quinta-feira, 17 de julho de 2008

O poço do Tzé Maia

"O seu nome não vem no mapa nem a terra tem qualquer referência, de área ou de população, nas enciclopédias. E, embora real, porque existe, vive e pulsa, parece não ter tido passado, nem presente. Contudo, não é terra morta que se possa assim, tão facilmente, ignorar.
Chama-se Gala. É uma aldeia de pescadores. Ou melhor: pouco mais é do que uma rua, que vai da Estrada ao Mar, e tem casas de um lado e do outro. Ao fundo e antes das dunas, que a separam do grande areal da praia, junta-se intimamente – quer dizer: sem uma nítida separação – a um lugar que tem o nome de Cova, embora a designação não seja exacta ou própria: as duas terras estão ao mesmo nível – o das águas do mar, quando estas andam calmas ou só bramem na ressaca.

Muito embora sem nome no mapa, a Gala está bem situada. Fica do lado sul da foz do Mondego. E, como as terras que seguem um rio até ao mar, é um prolongamento do Cabedelo – ou seja, aquele cabo de areia que se forma à barra dos rios. Do lado norte, há uma cidade e essa vem registada nos mapas de terra e nas cartas de mar – chama-se Figueira da Foz.
Mas não é de geografia que se trata.

Pouco mais de cem anos

Apesar de tudo e para situar o que se pretende dizer, vai bem um pouco de história, embora seja difícil precisar quando é que a aldeia nasceu ou porque se lhe deu aquele nome que tem.
Gala, aqui, não é vestuário de cerimónia, nem nada que se lhe compare. Em terra de pescadores e de embarcadiços, Gala é termo náutico ou expressão, marítima. Na verdade, com esse nome se designa uma vela à ré do galeão, mas também se indica o balanço de galear, que levanta e baixa o barco, da proa à proa.
É natural, portanto, que o nome da terra seja, na voz dos que lho deram, a imagem de um interior de barco, com os seus convés e cobertas, galeando entre o mar, por um lado, e as águas do rio, por outro.
De resto, Gala é nome recente. Tem pouco mais de cem anos. Para aí, cento e cinquenta, talvez.
Que se saiba, era terra despovoada, por altura das invasões francesas. Sem ponte, que só veio muito mais tarde, nem passagem expedida para a outra margem do rio, onde ficava a cidade, aquelas terras de areia e juncal logo pareceram aos invasores um bom sitio para o desembarque de tropas que lhe dessem luta.
Por isso, na sua política de ter as costas portuguesas guardadas por franceses, Junot, ou alguém por ele, mandou soldados para aquele bico de terra que só dava passagem pela foz difícil do rio ou pelas lodosas águas do estuário – naquela zona, ainda hoje, conhecidas pela corrente do canal.
Deste modo e desde a parte desabitada do Cabedelo, até às terras, ao sul, da Costa de Lavos e da Leirosa, onde já havia condições para «tomar casa e trabalho», andaram os franceses.
Por ali, patrulharam, assustaram e viveram com a gente da areia, segundo dizem, fazendo fugir os homens e deixando barrigas nas mulheres.
É de registar que, ainda hoje, os velhos, de hábitos e de linguagem mais castiça, usam uma expressão que se justifica na sua própria origem francesa e que é esta: sanfariem – que quer dizer «não tem importância» ou «não é nada». Enfim, «ça ne fait rien.

Teimosia de Gandarês

Claro que, para além das más condições de vida numa terra de dunas, havia ainda um factor que evitava a expansão dos povos vizinhos para aquela nesga de areia, postada à margem sul do Mondego. É que, ali, não havia água doce, potável. De beber.
Os franceses bem esquadrinharam todos os caminhos que levavam a terra ao mar, mas não encontraram mais do que reentrâncias onde abundava a água salgada do canal. Nem nascente, nem bica de água mansa.
Por isso, se bem que patrulhassem o quebra-mar da Cova, acampavam longe, pelo menos, em Lavos, que sempre era terra de verdes, mais do que de salinas.
Mas nem a obstinação do invasor – diz-se na região – é mais forte que a teimosia de um gandarês, tido, no litoral, como homem de terra-dentro.
Não há documentos –senão do que contam os velhos – mas parece que terá sido um rude machadeiro, vindo do interior daquela gândara, quem descobriu um fio de água doce a aflorar as areias cobertas de pinho, musgo, camarinhas e ervas ralas e agrestes.
O homem instalou-se no local, cortando lenha e vivendo da pesca.
Não consta nem o seu nome, nem que tenha formado família, mas, ao morrer deixou a outros, generosamente, o segredo da nascente. Foram estes – sabe-se que povoaram aquela terra, cabendo a alguns a aparelhagem da madeira, para fazer as primeiras casas; a outros, o desenvolvimento das artes de pescar ou de armar, no rio, á caça do borrelho e do maçarico; enquanto a tarefa de abrir um poço, no lugar da descoberta de água, ficou para o mais velho do grupo, homem já feito e com vasta família: o Tzé Maia.
Pelo cálculo dos antigos, tomando a memória das várias famílias que chegaram a este tempo, o poço ficou concluído entre 1815-1825. Vem daí, o povoamento. A Gala.
E, de facto, de muito pouco precisa o Povo para ter a sua terra. Na Gala, não foi preciso mais do que um poço!».

Só por uma simples coisa

Depois correram os tempos e as gerações. Uns ficaram do lado das águas do canal; outros foram povoar a Cova, do lado do mar.
Pela Gala, passou tudo o que abalou, perturbou ou redimiu este País: as conspirações, as revoluções, as Juntas; os liberais, os vintistas, os cartistas; os abrilistas, os caceteiros, os insurrectos. Mais tarde, os cabralistas e o início da ditadura, com o apuro do primeiro caciquismo. Depois, a Maria da Fonte, o degredo dos prisioneiros, a «lei da rolha», a luta dos regeneradores e dos progressistas.
Entretanto, aquela nesga de terra que parecia sobrar da corrente do canal, que puxava para o Sul, apenas tinha gente de trabalho: pescadores de companha e salgadeiras de pescado.
Depois da Carta e da política educacional que a acompanhou, a Gala conseguiu uma Escola. A catraiada aprendeu a ler, a escrever e contar.
Tanto daquela aldeia, como do lugar da Cova, muita gente foi para a vida do mar: pesca ou longo curso. Alguns emigraram, para a América e foram pescadores em Nova York ou calafates em S. Diego.
Pela Gala, passou a República, ainda no tempo em que se atravessava o rio numa barca de passagem. Só mais tarde veio a ponte, que está condenada, em breve, à substituição.
E tudo isto – lutas e tristezas, trabalhos e alegrias – só foi possível por uma simples coisa: o facto do poço do Tzé Maia pertencer, por ordem do que o abriu e murou, a toda a gente da região, levasse ela a água em bilha, talha, balde ou púcaro, e precisasse dela para beber ou cozinhar.

Mata até o que rega

E, assim, depois de uma longa digressão pelo passado, chego ao que verdadeiramente queria narrar.
Estive, há dias, na Gala e vim a saber que a água do poço do Tzé Maia está inquinada: mata até as couves que rega.
Perguntei: porquê? Explicaram-me que a construção e fixação, na Gala, de uma indústria de plásticos não foi tão perfeita que preservasse as infiltrações químicas nos terrenos de areia, onde está situado o poço.
Disseram-me que a fábrica, claro, já vem do fascismo e que de nada valeram, na altura, os protestos do Povo. O habitual.
Muita gente acha que a coisa não tem grande importância, porque o sítio já tem água canalizada e aquela da nascente não passa de um recurso dispensável.
Mas não é bem assim.
O poço deu mais do que água à terra, deu-lhe o nascimento. É por um lado a matriz e, por outro, a origem. Ao mesmo tempo, é a própria raiz da aldeia: sem o poço do Tzé Maia, a Gala e a Cova estavam ainda por existir. Como é, portanto, que isso não seja nada?
Claro que, também, na pequena terra de pescadores que não tem nome no mapa nem referência nas enciclopédias, mas vive, existe e pulsa, o capitalismo já destruiu o que pôde – até o passado de que passa a vida a dizer-se defensor.
O Povo da Gala tinha um monumento – que era um poço – e, pelo lucro, o capital envenenou-o.

O costume."

Adelino Tavares da Silva

Notas de António Agostinho, bisneto do Tzé Maia:

1 - Adelino Tavares da Silva, foi meu Amigo e um grande jornalista deste País, tendo chegado a ser Director do extinto «O Século», a seguir ao 25 de Abril de 1974. Quando morreu pertencia ao quadro de jornalistas do também já extinto «O Diário». Adelino Tavares da Silva tinha raízes familiares no nosso concelho, pois o seu Pai – o Comandante Rainho – era da Gala.

2 - O Tzé Maia, «o dono do poço que pertencia a toda a gente que precisasse de água para beber ou cozinhar», era o meu bisavô materno. Tenho uma pena imensa de não ter conhecido o meu bisavô Tzé Maia, pai de uma mulher extraordinária: a minha avó Rosa de Jesus Reis – a Ti Maia, que morreu «de velhice», a um mês de perfazer cem anos de vida.

3 - Esta história do jornalista Adelino Tavares da Silva, já falecido, foi publicada no Jornal "O Diário", no dia 20 Janeiro de 1978. «O Poço do Tzé Maia», eventualmente, pode não ter total rigor histórico, mas que é uma bela história, lá isso é. Como diria Adelino Tavares da Silva, «é a contar estórias que a gente se entende».

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Memória – o poço do Tzé Maia

A “estória” está contada aqui. O Pedro, com este testemunho, que só ele tinha engenho e arte para arrancar da Dora Maia, neta do Tzé Maia – sua avó e minha mãe – conseguiu um momento único.
Parabéns “puto”.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Recordando Adelino Tavares da Silva


Ao navegar pelo Delito de Opinião, deparei com este post: Jornalistas ou meninos da mamã?
Na zona de comentários, encontrei esta estória, saborosa, contada pelo David Lopes, que eu suponho ser o David Lopes Ramos, que eu conheci na redacção de O Diário, sobre o Adelino, o verdadeiro responsável por eu ter cultivado o gosto pela escrita e andar nesta vida...
Citemos então David Lopes, interpelando Pedro Correia:


“deixa-me recordar um grande jornalista português, Adelino Tavares da Silva, que não tinha qualquer curso. Era um homem de cultura, escrevia primorosamente e tinha uma grande qualidade: era, como hei-de dizer, um pouco "louco". Uma vez, quando não havia telemóveis nem telefones por satélite, "O Século" mandou-o para Angola. Passados uns dias, o Adelino deixou de contactar. Temeram o pior. Até que, muito tempo depois, o Adelino deu notícias... de Brazzaville! O Adelino foi fazer uma reportagem com o MPLA e achou que reportagem a sério era acompanhar o MPLA na mata! E andou pela mata com eles, até chegar ao Congo! Era um homem modesto e nem se gabava dessas semanas de pura privação. E sabes o que o divertia? A dificuldade que teve, no regresso, em justificar as despesas aos burocratas dos serviços administrativos!”

O curioso, apesar de ambos termos raízes na mesma Terra, é que conheci o grande jornalista Adelino Tavares da Silva (Notícias da Amadora, Diário Ilustrado, O Diário, tendo chegado a ser Director d´O Século, a seguir ao 25 de Abril de 1974), por acidente.
Um dia, aí pelo ano de 1978, li no jornal O Diário a crónica “O Poço do Tzé Maia”, que falava do meu bisavô materno, assinada por um tal Adelino Tavares da Silva, que eu não conhecia de lado nenhum.

Escrevi para o jornal a dizer quem era. Passaram-se meses e meses e nada. Até que um dia, um fulano para mim desconhecido, de cabelos já grisalhos e brancos e pêra igualmente branca, bateu à porta da minha residência, na Gala, e perguntou: “é aqui que mora o António Agostinho, o bisneto do Tzé Maia”?
Disse que sim e ele apresentou-se.
Começou aí uma amizade e um convívio, repartido pela Gala e por Lisboa, que durou alguns anos.
Fez-me correspondente, na Figueira da Foz, do jornal onde trabalhava, O Diário … A seguir, veio o Barca Nova e o Zé Martins, e nunca mais parei de alimentar o bichinho…
Quando morreu, na década de 80 do século passado, pertencia ao quadro de jornalistas d´O Diário.
Adelino Tavares da Silva, soube depois, tinha raízes familiares no nosso concelho, pois o seu Pai – o Comandante Rainho – era da Gala.

domingo, 11 de setembro de 2016

Hoje, a título excepcional, vou falar de mim e do meu objectivo de vida

Quando eu nasci, em 1954, na minha casa não havia electricidade (apesar da luz eléctrica ter chegado à Cova e Gala em março de 1940), rede de esgotos e nem água canalizada.
Imagino, o quanto isso não será complicado de compreender para certas pessoas que, nos dias de hoje, vivem na Aldeia!..

O meu berço foi pobre e as fraldinhas eram de pano. 
A minha saudosa avó Rosa Maia e a minha mãe lavavam as fraldas que me acolhiam os sobejos do corpo, com a água do poço, o recordado poço do Tzé Maia, num tanque ao lado e com a ajuda do sol, que as corava. 

Não havia casa de banho na minha casa. 
Para me darem banho na cozinha, a minha mãe e a minha avó aqueciam, em lume de lenha, uma panela de água.
O gás era caríssimo e a energia eléctrica ainda não tinha chegado à minha casa...
Sou do tempo do candeeiro a petróleo.

Entretanto, o tempo foi passando e as condições melhoraram.
O meu pai até ser vivo (morreu em junho de 1974), a minha mãe e a minha avó, sacrificaram as vidas para darem o melhor que puderam à família.
E, por isso, conseguimos melhorar, apesar de todos os que vieram a seguir, vivam e continuem a andar na vida a pulso. 
Isto é: conforme podemos.
Umas vezes de lado, outras a subir, muitas delas a descer, mas vamos sempre para algum lado. 

Viver assim assim nem sempre é fácil e muito menos simpático ou sedutor. 
A sociedade não facilita o percurso de quem escolhe viver com dignidade e independência.  Nesta sociedade que vive de aparências, a linha do equilíbrio é ténue. Todos sabemos isso. 
Mas, isso é óbvio, é aquilo que que nos querem obrigar, é o que esperam de nós, é o que os outros esperam das nossas acções, dos nossos sonhos e das nossas projecções. 

Mas nem todos somos iguais. Ao longo da vida, sempre procurei trabalhar com a conta, o peso e a medida que me permitiu não necessitar de favores, mas procurei fazê-lo sempre sem exageros que me perturbassem o equilíbrio para viver a vida da forma que optei por viver: com responsabilidade mas independência. 
Tenho uma vida simples, equilibrada, transparente e translúcida. 
Isto, claro, tirando as noites de prazer, óbvio, quando toda a barraca tem o direito de abanar e a cama de ranger... 
Chegado aqui, passado o tempo em que exigi a mim próprio ser profissional e competente, posso garantir que me estou marimbando que as pessoas pensem se sou eu que valho pouco, ou se eram os outros que queriam mais de mim.

Na minha juventude os tempos eram outros, mas ao menos sabia, porque estava bem explicito e definido, que não havia liberdade.
Hoje, a maioria, vive numa prisão disfarçada de espaços abertos, habilmente mantida, numa movimentação repleta de espartilhos, vivendo numa luz a fingir que brilha ao sol, mas, na realidade, secando devagarinho, até morrer totalmente exaurida, seca e gasta.

É disso que sempre tentei fugir ao longo da vida...
Será que vou consegui-lo até ao fim?

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Gala, Aldeia, na altura estrada 109, sem número...

foto António Agostinho
Não nasci noutro local.
Nasci nesta rua, no sítio da actual casa nº. 103, a primeira da esquerda para a direita, a casa do poço do Tzé Maia.
A casa, à época, era uma habitação térrea e pobre de madeira, cheia de aberturas nas paredes, por onde no inverno o ar gélido passava como cão por vinha vindimada ...
Nasci por causa e graças a eles. O meu pai pescador - do bacalhau, do arrasto, da traineira, do rio. A minha mãe varina - de todo o peixe.
Ambos, descendentes de ílhavos  lutadores que vieram, a seguir às invasões francesas,  para sul do Mondego em busca de ver vida melhor.
Nasci, estava a despontar o ano de 1954.
Na altura,  a gente da Aldeia sonhava com peixe, sem pensar na exploração, antes em trabalho certo, que lhes permitisse dar de comer às famintas bocas que estavam em casa.
É possível que estas miudezas, pessoais e históricas, para alguns, interessem pouco.
A Cova e Gala da minha infância foi sempre a das casas térreas e pobres de madeira, cheias de aberturas nas paredes, por onde no inverno o ar gélido passava como cão por vinha vindimada .
Quando, mais tarde, as circunstâncias me permitiram viver noutros ambientes, continuei a guardar a memória da Cova e Gala dos meus primeiros anos, a Cova e Gala da gente de pouco ter e de muito sentir”, a Terra pequena e modesta nos costumes e nos horizontes da compreensão do resto do País e do mundo.